O futebol é o ópio do povo?
UM – O futebol e os intelectuais brasileiros de “esquerda” sempre tiveram suas rusgas. Um ranço forte era o fato da prática alienígena “made in England” ser esporte de “gentleman”, ou seja, coisa de gente rica, mimada, filhinho de papai de nariz empinado, como o golfe e o tênis. Pois é, e como foi que o povo (logo povo do terceiro mundo!) se meteu na roubada de adotar costume burguês? Céus, por mil trovões, como foi? Lima Barreto foi contra o futebol (segundo J.R. Santos) “primeiro porque compreendeu logo que as oligarquias iam usar a bola como ‘ópio do povo’. Segundo porque esse esporte era filho do imperialismo”.
Ele foi profeta? Parece que sim: “nas greves de 1904/1917 que paralisaram milhares de operários, período forte da industrialização, o futebol foi incentivado por empresários e pelas autoridades paulistas”. Recorda Santos que prefeitos isentaram os campos de impostos; industriais se apressaram a construir “grounds”; a policia parou de reprimir rachas em terrenos baldios; os castigos aos estudantes de escolas públicas que pegos jogando futebol, suspensos. “Como a criança que se manda brincar para queimar energias, os operários foram, então, mandados jogar futebol”.
DOIS – Quando Pelé, o pobretão que se fez milionário com esporte burguês me obrigou comprar boneco seu de borracha em 1958, tocou magistralmente a bola para a direita e Carlos Alberto fuzilou o goleiro da Itália consolidando o tetra mundial de 1970 fiquei feliz e encabulado. Não fui o único a encabular. Raros do grupo deixaram de vibrar nas partidas do tetra mesmo fazendo o jogo da ditadura (éramos 70 milhões em ação!) e contrariando o discurso durante os anos de chumbo de que o futebol era o ópio do povo. Sim, berrei na rua contra o “ópio do povo” e berrei com os gols da seleção da ditadura na TV; não é fácil esganar o pequeno burguês que habita cada um de nós…
TRÊS – Hoje, quando teoricamente a “esquerda” está no poder e promove uma copa do mundo de futebol quem pode estar contra? Pois é, quem? A “direita”? Não, não posso crer que a direita que, em teoria é dona de hotéis, restaurantes, marcas de bebidas, de ônibus, de aviões e outras fontes de dinheiro se manifeste contra algo que aumentará o faturamento. Enquanto perdura a dúvida de como rotular os contrários à copa, constata-se que um grupo que se diz de “esquerda” (muitos tinham o futebol como ópio em 70) defende com unhas e dentes o evento. O mundial de futebol acelera a geração de renda e empregos alegam eles. E têm razão! Mas não deixa de ser irônico constatar que não há nada mais capitalista do que a “esquerda” brasileira no poder: “gerando emprego e renda faz qualquer negócio, inclusive suprir a necessidade do povo em ópio?”.
QUATRO – Tirando o desperdício de dinheiro publico que sai pelo ralo via corrupção deslavadas e por causa de elefantes brancos superfaturados no caso brasileiro, um evento desses pode mexer profundamente no fluxo de turistas de um pais ou região (falei pode porque nem tudo o que deveria ser feito para a copa e ficaria como legado valioso foi concluído). E turismo, todos sabem, é o setor da economia que mais rápido gera renda e o que melhor a distribui os ganhos (a crise não é maior na Europa por causa da montanha de dinheiro que turistas de todo mundo deixam anualmente…)
CINCO – Em suma, com essa mesmice de discutir ópio do povo parece que entre nós a historia não anda!
Jornalista e radialista. Natural de Barra Funda/Sarandi-RS. Reside em Passo Fundo, onde já foi secretário de Meio Ambiente e de Cultura. Atuou na Cia. Jornalística Caldas Junior por dez anos, foi chefe de redação e diretor de O Nacional, mantém coluna no jornal Diário da Manhã e programa sobre ecologia na Rádio Uirapuru de Passo Fundo.
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