Roubando as migalhas!
Notícia inimaginável: a Cruz Vermelha Brasileira desviou doações arrecadas em nosso território que deveriam socorrer vítimas do conflito na Somália, que amenizariam o desespero dos que sofreram o impacto do tsunami no Japão e ajudariam os atingidos pelas enchentes na região serrana do Estado do Rio de Janeiro.
Cruzes, já estamos roubando migalhas! Como definir esse ato da direção da Cruz Vermelha Brasileira de desviar dinheiro arrecadado em campanhas humanitárias? Macabro? Sinistro? Amedrontador? Não é tão simples responder.
O que pensar de quem explora e conspurca a boa fé, o ato solidário da pessoa que se comove diante da tragédia do seu semelhante? O que dizer de quem humilha a esperança dessa pessoa? Como qualificar quem compra champanhe – no caso a direção da Cruz Vermelha Brasileira – com o dinheiro que compararia o cobertor ou o pão para o desesperado?
Quando, aqui no Brasil, mandamos para as cucuias o período ditatorial nosso imaginário passou a operar novos parâmetros, sinalizando a possibilidade de erguer realidade completamente diferente logo ali adiante. Tínhamos um novo sonho! Olhávamos para o futuro beirando a jactância ao crer na hipótese de nova utopia, claro, com coisas simples como justiça social, ética, solidariedade, liberdade ampla e, como algo forte naquela circunstância histórica, sem corrupção.
As trancos temos avançado. Poderíamos andar mais rapidamente? A real é que andamos a passos de tartaruga ao ponto de transmitir aos que desanimam a falsa ideia (felizmente ainda para a minoria) de que na ditadura era melhor. O que tem incomodado bastante, nos últimos anos, é a enxurrada de noticias sobre a corrupção que alcançou em cheio a esfera política e sobre desmandos que se alojaram nas estruturas dos governos nos municípios, nos estados e na União. Como tais atos englobam representantes da quase totalidade das siglas partidárias existentes geramos o conceito de que a corrupção era algo inerente à nossa classe política. E, longe de posar de vestal, reconheçamos que está muito longe de ser assim. Tudo é muito mais amplo e profundo.
Eis o ponto crucial, nós brasileiros fomos (e estamos) levando uma vida de dupla face? Ou seja, contabilizamos e difundimos com prazer os fatos que envolvem políticos de todas as esferas e minimizamos os acontecimentos que nos levariam a entender a corrupção como fenômeno mais amplo, mais profundo, na sociedade brasileira?
No cotidiano tem sido fácil culpar a classe politica por todas nossas mazelas mesmo sabendo que o número de homens públicos que são corretos é muito grande (assim como – ainda creio – a maioria da sociedade brasileira é constituída de gente decente). Acontece que quando chegamos ao patamar da corrupção abranger entidades como a Cruz Vermelha e ao ponto da fraude ameaçar o leite das crianças, é hora de acender todas as luzes de alerta. Nada de sólido e duradouro construímos na sociedade se a desconfiança permear nossas relações e estamos correndo esse risco por causa do atual grau de insanidade ética que nos atinge.
Jornalista e radialista. Natural de Barra Funda/Sarandi-RS. Reside em Passo Fundo, onde já foi secretário de Meio Ambiente e de Cultura. Atuou na Cia. Jornalística Caldas Junior por dez anos, foi chefe de redação e diretor de O Nacional, mantém coluna no jornal Diário da Manhã e programa sobre ecologia na Rádio Uirapuru de Passo Fundo.
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