Um modo de falar
Antônio sempre gostou de conversar, de contar histórias, falar do seu dia-a-dia. Um homem simples e ingênuo no seu vocabulário.
Getúlio, um de seus filhos, também gosta de uma boa conversa. E quando se trata de falar pai e filho tem algo peculiar.
Enquanto Getúlio caminha pelo mundo das gírias, o pai, Antônio, tem o hábito de tornar suas palavras e frases engraçadas e desajeitadas. Há pessoas que respeitam, outros debocham, mas a ingenuidade de Antônio nunca lhe permite notar nem uma coisa nem outra.
Getúlio chega ao trabalho e encontra o amigo Osvaldo que acabara de perder a mãe. Ele diz:
– Po bicho, saí do trampo e cheguei na baia pra rangar e minha coroa disse que a tua velha tinha batido as botas.
Fiquei de cara meu.
Osvaldo completa:
– Pior que é cara.
Antônio sai do trabalho e monta em sua bicicleta. Ele começa a pedalar e logo pega muita velocidade. Minutos depois aparece na barbearia do Valmir todo machucado e com a bike toda torta.
Ele diz ao amigo barbeiro:
– O Valmir, tu não vai acreditar. Eu não vinha correndo com a minha bicicleta, não escorreguei no areão aqui na frente, não caí e não me ralei todo, e ainda não quebrei minha bicicleta.
Valmir, muito debochado, diz a Antônio:
– Que bom rapaz. Que bom que não vou acreditar. Que bom que você não vinha correndo, que não escorregou no areão aqui na frente, que não caiu. Não se ralou e não quebrou a bicicleta.
Antônio em toda sua inocência tenta explicar ao barbeiro:
– Não. Tu não entendeu Valmir. Aconteceu tudo que tu falou, só que ao contrário.
Enquanto Antônio toma um copo de água na barbearia comenta a morte da mãe do Osvaldo.
– Coitadinha da dona Flora, mãe do Osvaldo. Quando acordou estava morta.
O barbeiro Valmir, sempre debochando, diz a Antônio:
– Acordou morta, Antônio?
– É isso mesmo, Valmir. Já pensou que loucura, que susto. Acordar e vê que ta morto?
Antônio continua sua narrativa sobre a morte da mãe de Osvaldo:
– A pobrezinha morreu na sexta-feira e se enterrou no sábado.
Novamente o barbeiro com seu sarcasmo provoca Antônio sem que ele perceba:
– Poxa, ela se enterrou? Não havia ninguém para enterrá-la?
Antônio responde:
– Agora tu me pegou, rapaz. Foi o que ouvi. Mas parece tinha bastante gente no enterro.
O barbeiro pergunta a Antônio:
– Estás morando aqui perto?
– To sim. Não tem essa rua que asfaltaram agora. Não tem o posto de saúde. Não tem um mercadinho ali na esquina. Então, eu moro do lado.
O barbeiro termina de atender um cliente e diz a Antônio:
– E aí Antônio, vai cortar o teu cabelo?
Antônio sem perceber dá a resposta que Valmir não imaginava:
– Eu não sei cortar cabelo, Valmir. Ainda que do teu jeito prefiro que tu corte pra mim!
Deivison Hoinascki Pereira. Professor, jornalista, colunista do Portal Instituto Caros Ouvintes e jornais Em Foco. Escritor. Produziu e apresentou o programa de rádio – Na cadeira do barbeiro – entre 2013 e 2015. As entrevistas com mais de 40 comunicadores da nossa região estão disponíveis no Portal Caros Ouvintes.
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